segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Destinos

O Brasil já o conhecia há um certo tempo , aliás , muito bem ........Após ter trabalho durante 3 anos como um sisudo e bem comportado produtor musical  , mostrando uma incrível capacidade para fazer cantores obscuros e que o tempo jogaria no esquecimento - como DIANA , PAULO GANDHI e a dupla TONY E FRANK - tornarem-se artistas de sucesso , mesmo que por pouquíssimo tempo , em 1972 ele participara e chamara a atenção com uma curiosa mistura de rock e baião chamada LET ME SING , com a qual concorrera na última edição do Festival Internacional da Canção , promovido pela TV Globo . Isso foi apenas o prenúncio do que aconteceria nos anos seguintes ........Após ter gravado um disco ainda como produtor musical em parceria com os hoje obscuros cantores SÉRGIO SAMPAIO ( 1947-1994 ) , MIRIAM BATUCADA ( 1946-1994 ) e EDY STAR ( o disco chamava-se SOCIEDADE DA GRÃ-ORDEM KAVERNISTA APRESENTA SESSÃO DAS DEZ , foi lançado em 1971 e devido a sua inexpressiva vendagem acabou sendo logo retirado do mercado ) e outro disco com regravações , e um toque bem pessoal , de antigos sucessos dos primórdios do rock ´n roll ( o disco foi lançado em junho de 1973 e não apareceu o seu nome mas sim o de uma fictícia banda chamada ROCK GENERATION ) , A partir de 1973 colecionaria sucessos e premiações e revelaria também inúmeras facetas : aquele sujeito magrelo , vindo de Salvador , fã de Elvis Presley e Luiz Gonzaga e que já chegara a liderar 2 bandas de rock em sua terra natal , em uma época em que elas eram raras  no Brasil ( com uma delas chegara até a gravar um disco )  , revelara , por exemplo , o seu lado místico-espiritual ( em músicas como GITA , ÁGUA VIVA , TREM DAS SETE , entre outras ) , criando uma imagem de guru e líder religioso , algo que ele jamais foi e que sempre fez questão de negar quase até os seus últimos dias de vida .........
             Mas além , é claro , de seu enorme talento e de ser completamente diferente do que havia na música brasileira de então , ele conquistara a todos com o seu jeito irreverente , irônico , debochado , questionador e , acima de tudo , por sua sinceridade e autenticidade . Por tudo isso e após bons trabalhos e vários sucessos seguidos , esperava-se naquele dezembro de 1976 mais um grande trabalho de RAUL SEIXAS ( 1945-1989 ) , o rei do rock tupiniquim .........Mas para a surpresa , e decepção , de seus já numerosos fãs o disco que estava sendo lançado naquela ocasião era , e é , o mais depressivo do "Maluco Beleza " , a começar pela própria música que o abre : a sinistra e fúnebre CANTO PARA MINHA MORTE ........Logo na sequência , no entanto , aparece  uma música que além de ser alegre e destoar do clima de velório de boa parte do disco  também chama a atenção por suas letras : MEU AMIGO PEDRO . Trata-se de uma discussão filosófico entre 2 velhos amigos completamente opostos : um deles é um sujeito sério , comportado , seguidor das tradições e normas impostas pela sociedade e o sistema e preso ao cotidiano nosso de cada dia  ; já o outro é alegre , solto, de espírito libertário e adepto do "seguir o caminho do vento " ........Os personagens que inspiraram a canção são muito reais : o primeiro deles é PEDRO QUEIMA COELHO , um sisudo , metódico , ultra conservador e rigoroso engenheiro civil , pai do futuro best seller PAULO COELHO , então parceiro de Raul e que escreveu o " esqueleto "  da música  ; já o outro é o igualmente sisudo e metódico e bem comportado físico nuclear PLÍNIO SEIXAS , irmão de Raulzito . Há ainda quem afirme que a fonte de inspiração teria sido um dos livros do grande escritor argentino JORGE LUÍS BORGES ( 1899-1986 ) , admirado tanto por Raul quanto por Paulo . Independente de quem tenha inspirado esse clássico raul seixista e se a música inspirou também o escritor são bentense DONALD MALSCHITZKY , o fato é que a crõnica de hoje traz um desses inesperados encontros entre opostos .......CONFIRA :

 " Há muito não se viam, o encontro foi por puro acaso. Não

chegou a ser espalhafatoso, mas sobraram abraços e alegrias.


Estudaram juntos e eram inseparáveis ; por dias e mais dias,

noites e mais noites resolveram os problemas do mundo,

alimentando-se de utopias e justiças.

Tempo e circunstâncias se

encarregaram de separá-los, fisicamente, no início, depois, talvez

por causa dos caminhos percorridos,


 talvez porque o caráter é

forjado nas lides da vida, separaram-se também as crenças.


Parados os dois, cada um vendo o quanto o outro mudou.

Diferentes, a começar pela roupa: um, casual, confortável, refletindo

no vestir o sorriso do rosto ;

formal, rígido, tudo certo e no lugar, o

outro, retrato de sua postura quase doída.

Olhares diferentes, até :

curioso, alegre, absorvendo o mundo pelos olhos,

um ; o outro

olhando desconfiado para tudo e todos, como se na iminência de

ser atacado. As rugas de preocupação nos cantos da boca não

ajudavam nem um pouco.


' Que bom ver você, como é bom lembrar tanta coisa que

vivemos juntos. E aí, fazendo o quê ? '

' Trabalhando, trabalhando muito, não posso parar,

você sabe,

não dá para confiar em ninguém. Depois que me formei fui trabalhar

com meu sogro, você lembra. Pois é, dei um jeito naquela

espelunca e hoje posso dizer que tenho um império. '


' E em casa ? '

' Nem te conto; é um inferno, só reclamam.

 A mulher, os filhos.

Só falta o cachorro reclamar.

 É porque não estou em casa, porque

não dou bola, porque só penso em serviço e assim vai. Não

entendem que é por eles que faço isso: eles estão com o futuro

garantido.

Mas me conte de você '

' Eu viajei um tanto, conheci lugares, pessoas. Apaixonei-me a

valer.

Não fiz nenhum império; em casa temos o que precisamos e

curtimos um monte. Sabe nossos ideais de juventude ? Pois

continuam vivos em mim, ainda creio neles. '


' Não posso acreditar; você continua adolescente, acorde, o

mundo não precisa de pessoas como você. '


Conversaram mais um tanto, mas a conversa foi perdendo a

graça. O tempo os havia tornado muito diferentes.


Separaram-se. Um,  carregando o peso do passado e a

angústia do presente; o outro o desafio do futuro.

' Coitado, não vai mudar nunca ' , pensou o primeiro.

' Coitado, não vai mudar nunca ' , pensou o segundo.

Numa coisa, ao menos , concordaram. "

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