segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Ainda Não , Se For Possível

Veja só o que uma carta pode fazer : após retornar de uma de suas expedições marítimas , o navegador AMÉRICO VESPÚCIO ( 1454-1512 ) escreveu uma carta a um velho amigo chamado PIERO SODERINI , um dos manda-chuvas da cidade de Florença , fazendo um relato detalhado de sua última viagem . De tão detalhada , a carta - datada de 4 de setembro de 1504 - acabou sendo transformada em um livreto : escrito em italiano , tendo 32 páginas e publicado em 9 de julho de 1506 , acabou sendo um retumbante , com apenas 400 exemplares vendidos ......Para a sorte de Vespúcio , no entanto um desses poucos exemplares acabou indo parar em um minúsculo vilarejo francês chamado SAINT-DIÉ : lá existia uma academia de intelectuais chamada GINÁSIO VOSGENSE e os fantásticos relatos das viagens marítimas de espanhóis e portugueses e notícias de um continente até completamente novo e desconhecido deixaram os nobres intelectuais em polvorosa ! De tão entusiasmados eles organizaram um grupo liderado por certo VAUTRIN LUD e que tinha como finalidade justamente estudar as descobertas marítimas e cosmografia . Um deles atendia pelo nome de MARTIN WALDESEMUELLER , era alemão , desenhista , matemático e cosmógrafo e , como você verá daqui há pouco , indiretamente tem a ver com a história de hoje ......Da teoria passaram à prática : publicavam todos os relatos de viagens que chegavam às suas mãos , inclusive aquele tal livreto que comentamos há pouco e que tinha o nome de LETTERA . Traduzido do italiano para o latim , foi lançado em 25 de abril de 1507 , e não é que fez sucesso ! A procura foi tão grande que ele teve de ser reeditado 7 vezes , e isso naquele mesmo ano de 1507 . Estima-se também que cerca de 10.000 cópias do livro tenham sido vendidas em 1508 , sendo que nesse ano foram necessárias mais 12 reedições ......Mas tinha mais , muito mais : o livro na versão latina trazia vários mapas , quase todos eles bastante ultrapassados e anacrônicos .  foi aí que entrou o nosso amigo Martin Waldesemueller : um dos mapas era de sua autoria e pela primeira vez reproduzia aquele continente novo , "descoberto " havia apenas 15 anos e que numa óbvia homenagem a Américo Vespúcio trazia também pela primeira vez o nome de AMÉRICA . Aquela despretensiosa carta de 1504 não só resultou no nome de um continente como também em uma nova palavra , algo que é praticamente sinônimo de fantasia , esse feito coube a um erudito inglês.......Impressionado com o que leu no agora best seller Lettera , o advogado , escritor , diplomata , funcionário público e político inglês THOMAS MORUS ( 1478-1535 ) acabou tendo a inspiração para aquilo que eternizaria seu nome ........Ele acabou escrevendo um  livro , publicado em 1516 na cidade suíça de Basel , no qual o personagem principal era um marujo português chamado RAFAEL HITLODEU ( o nome vem do grego HYTLODAEUS , ou "contador de histórias " ) e que juntamente com outros ex-integrantes de uma expedição de Américo Vespúcio percorreram o chamado Novo Mundo , até irem parar em uma ilha........
   Lá tiveram uma agradabilíssima surpresa : a sociedade que encontraram ali  vivia em completa e perfeita igualdade e harmonia política , social e ecológica .....Era um mundo completamente novo , puro e em que , embora todos os bens pertencessem à comunidade , todos ali eram ricos . é provável que o erudito inglês tenha se inspirado na descrição do que hoje conhecemos como ILHA DE FERNANDO DE NORONHA ( uma curiosidade : FERNANDO DE NORONHA , ou FERNÃO DE LORONHA , era um espanhol judeu convertido ao catolicismo , extremamente rico , sendo dono de bancos , navios e cuja sede de sua ampla rede negócios internacionais ficava em Londres ;entre  1502 e 1512 teve o monopólio da lucrativa exploração do pau-brasil e financiou a expedição que descobriu a ilha que leva o seu nome ) . O nome da ilha e do próprio livro ? UTOPIA , palavra que vem de dois termos gregos : OU ( que significa NÃO ) e TOPOS ( lugar ) , ou seja , significa " não lugar ou lugar que não existe " ........Embora com uma bela mensagem , o fim de Thomas Morus não foi nada belo : ele se recusou a reconhecer o então rei inglês HENRIQUE VIII ( 1491-1547 ) como chefe da Igreja naquele país assim como também a comparecer `a coroação e a juar fidelidade a nova rainha ANA BOLENA ( 1509-1536 ). Resultado : acabou sendo acusado de crime de alta traição e decapitado ( em 19 de maio de 1935 ele acabou sendo canonizado pelo então papa PIO 11 ) ........Mas de qualquer maneira suas ideias acabaram dando frutos , embora não tenha sido o primeiro a abordá-las ( sem citar ou criar a palavra utopia , o pensador grego PLATÃO , por exemplo , no livro A REPÚBLICA , do ano 380 antes de Cristo , formulou os primeiros conceitos do que é uma utopia )  : além de criar uma nova palavra , as ideias de Morus acabaram, de certa maneira , servindo de base para a formulação do SOCIALISMO , mais especificamente o SOCIALISMO UTÓPICO , que acreditava ingenuamente que o fim do regime do sistema capitalista aconteceria coma colaboração dos próprios donos do capital ( as fracassadas colônias estrangeiras do SAÍ , em São Francisco do Sul , e de CECÍLIA , no Paraná , foram organizadas de acordo com as ideias dos 2 principais idealizadores do socialismo utópico : os franceses CHARLES FOURIER e SAINT-SIMON ) .........Quando se fala na palavra utopia logo vem à mente  - além de algo fantasioso - um lugar ou mundo perfeitos , aquele sonho difícil ou quase impossível de ser realizado , algum forte desejo.......Na primeira crônica de 2016 o escritor DONALD MALSCHITZKY expõe alguns de seus desejos : algo para ler e guardar em nossas cabecinhas ! CONFIRA :

"Que minha tristeza não se transforme em desânimo e apatia,

e que minha vergonha não me faça abaixar a cabeça e esconder-

me pelos cantos. Ainda não.


Que meu assombro não se transmute em medo e que meu

olhar não deixe de assustar-se. Ainda não.


Que meu grito não se cale frente à conveniência do silêncio

obsequioso e que não deixe de fazer eco nos quartos vazios. Ainda não .


Que meu sonho ( ABAIXO ) não tema o impossível e que o escárnio não

me faça acovardar-me.  Ainda não.



Que meus caminhos não se fechem aos meus olhos e que

meus pés não parem por causa das feridas. Ainda não.


Que minha dor não faça com que eu tenha pena de mim

mesmo e que meus lamentos não me justifiquem. Ainda não.


Que minha concordância não aconteça por conveniência e

que a covardia  não guie minhas decisões. Ainda não.


Que minha crença não seja opressora e que meus ideais não

se vistam na obscuridade. Ainda não.


Que eu não perca o encanto pelas tempestades  e que não

pare de amar a dança das folhas no ar. Ainda não.


Que a escuridão não se torne um castigo e que os estrondos

não me assustem no meio da noite. Ainda não.


Que as flores que plantei não empalideçam. Ainda não.


Que eu não tropece na tristeza do Igor e do Matias, meus

netos,  e que eles  não vejam o sectarismo vestir-se de ódio e a

ignorância fazer-se mais forte do que a sabedoria. Ainda não.


Que não aprendam que a solidariedade é para os fracos e

que não desconfiem que o mal, sim, muitas vezes vence. Ainda  não .


 Que não se convençam de que acreditar não é bom  e que

ninguém lhes ensine que o que vale é apenas o que lhes convém.

Ainda não.


Que não se acostumem a julgar pelo que veem com o lado

escuro da alma e  que não vejam vantagem no egoísmo dela. Ainda não .


Que não tenham que se acostumar com o espetáculo dos

corpos mutilados, das vidas roubadas, dos olhos esbugalhados de

medo. Ainda não.


 Que essa não seja sua herança, ainda não. Que nunca seja,

se for possível . "

Nenhum comentário:

Postar um comentário