terça-feira, 15 de dezembro de 2015

São Paulo , 9 de dezembro de 1978

Como todos estão cansados de saber o Brasil é o país do surreal e do contraditório . Enquanto as origens e os primeiros dias de nações milenares como Etiópia , China , Japão e Irã , e até mesmo de nações jovens , como Canadá , Argentina e Estados Unidos , perderam-se no tempo , o Brasil - um país que há séculos despreza a cultura , o conhecimento e a preservação da memória -contraditoriamente tem o privilégio de ter a sua " certidão de nascimento " : a famosa carta descritiva endereçada ao então rei português DOM MANUEL I ( 1469-1521 ) e escrita por PERO VAZ DE CAMINHA ( 1450-1500 ) , relatando não só a viagem como também os primeiros contatos , a flora , os costumes e as impressões da terra " descoberta "  e de sua gente  . Está certo que a expedição liderada por Cabral muito provavelmente não chegou aqui em terras tupiniquins por acidente e várias outros navegadores já devem ter estado por aqui muito tempo antes - sem contar as próprias e milenares nações indígenas -  , mas isso não diminui a importância desse verdadeiro tesouro histórico , que equivocadamente é considerada a primeira produção literária do Brasil ( para que isso fosse possível a carta de Caminha deveria ser ficcional ) . E quem Caminha ? Esse sujeito que teria tudo para ser um despercebido burocrata da coroa portuguesa e que a história o transformou em celebridade histórica , nasceu na cidade do Porto , chegando a ser vereador em sua cidade e a ser o responsável pelos ofícios enviados ao rei . A partir de 1476 passou a ocupar um cargo equivalente ao de escrivão , e ao mesmo tempo tesoureiro , da Casa da Moeda e ao consta que o rei tinha uma estima muito grande poer ele ( ele se dirigia a cidade indiana de Calicute , onde seria o escrivão da fortificação construída pelos portuguesa naquela cidade e daí a sua presença na expedição de Cabral ) . A estima era tão grande que o próprio Caminha tentou se aproveitar dela ...... a belíssima carta escrita por ele - numa demonstração de modéstia ele a considerou uma carta de qualidade " inferior "  - foi  estragada em seu último parágrafo : nele Caminha pede ao rei para que liberte o seu genro , que havia sido preso por assalto e agressão .......Coube ao navegador GASPAR DE LEMOS , comandante da nau que levava os mantimentos da expedição , levar a carta ao rei . Infelizmente aquela foi a primeira e única visita de Caminha ao Brasil : em 15 de dezembro de 1500 - portanto há exatos 515 anos - ele foi morto , supostamente durante um ataque àrabe à fortificação portuguesa em Calicute ....
      Se o Brasil tem uma "certidão de nascimento " isso muito se deve a político e burocrata português chamado JOSÉ DE SEABRA DA SILVA ( 1732-1813 ) : em 1773 ele trabalhava como guarda-mor da TORRE DO TOMBO , local onde são guardados documentos de caráter histórico , e felizmente encontrou a famosa e que há séculos estava perdida.....Foi só em 1817 que ela foi publicada pela primeira vez : ela foi reproduzida no livro COROGRAFIA DO BRASIL , de autoria do padre MANUEL AIRES DE CASAL . Caso aquele tremendo fato histórico ocorrido em 1500 acontecesse hoje , Caminha não gastaria tinta , pena e papel : ele ou qualquer outro membro da expedição , enviaria a mensagem ao rei , que a receberia em segundos , via e-mail , twitter , whatsapp , facebook ou qualquer outra rede rede social  através de um notebook , tablet , iPhone ,iPad ou qualquer outra dessas parafernalhas tecnológicas  que tornaram a nossa vida mais cômoda e fácil . Podem até ter tornado tudo fácil , mas transformar a velha CARTA - com todo o seu cheiro de sentimentalismo e intimidades -  em praticamente um objeto pré-histórico ! Afinal , qual foi a última vez em que você escreveu uma ? O jornalista e contador de histórias ROBERTO SZABUNIA se lembra muito bem e nos conta mais algumas de suas prazerosas histórias . CONFIRA :


" O título pode induzir o leitor e a leitora , especialmente aqueles que me

acompanham em uma década de escrita , a imaginar mais uma viagem no

tempo . ( ABAIXO , AVENIDA PAULISTA EM 1978 )

 E não deixa de sê-la , mas a data trinta e sete anos recuada é apenas

um ponto de partida . Ela era o tradicional cabeçalho de uma carta , daquelas

que escrevíamos numa era pré-e-mail .

 Arrisco-me a dizer que ali pelos

primeiros dias de dezembro de 1978 eu tenha enviado minha última carta

pessoal . A destinatária era minha namorada ( ABAIXO ) – hoje esposa – , o endereço a rua

Roberto Martin em Rio Negrinho e o conteúdo , mais curto que o normal ,


apenas informava sobre o dia em que eu embarcaria para as férias de fim de

ano . Claro que não faltou todo aquele delicioso floreio de um coração perdido

de amor , saudoso das semanas sem vê-la .

 Digo que aquela pode ter sido a

última carta pessoal porque , já no ano seguinte, mudei-me cá para plagas de

serra abaixo . ( ABAIXO , CATEDRAL DE JOINVILLE EM 1979 )

Então, pela proximidade , as idas serra acima eram mais

frequentes ; nos demais dias , o telefone substituía as cartas .


Pelos anos subsequentes , a pequena distância dispensava a comunicação

escrita com a família , que eu mantivera nos quase quatro anos como

paulistano circunstancial .( ABAIXO , SÃO PAULO NOS NOS ANOS 70 )

 Cartas , então , só quando o trabalho exigia , ou

aquelas bobagenzinhas que eu enviava para a seção do leitor da revista

Placar . ( ABAIXO , EDIÇÃO DA REVISTA PLACAR DE 1979 )

Nada parecido com as primeiras missivas que redigi na vida , ainda com

a incipiente letra da infância ( ABAIXO ) , para minha mãe , já moradora da metrópole

paulista .

Eram duas ou três cartas por ano, nos intervalos entre as vindas de

mamãe a Rio Negrinho . Depois , no brevíssimo período morando na

chiquérrima esquina das ruas Riachuelo ( ABAIXO ) e São Francisco , no Centro de

Curitiba , talvez apenas duas cartas :

 uma tradicional para mamãe , informando

da vida em república de estudantes ( ABAIXO ) ,

e outra para papai,  reclamando da dura

vida em república de estudantes – e anunciando minha decisão de ir morar em

São Paulo .


L á, sim , na ' Pauliceia Desvairada '  , minha produção literária foi prolífica . O alto

custo das ligações telefônicas tornava mais acessíveis os selos colados nos

envelopes .

Enchi alguns daqueles blocos com a figura de uma aeromoça na

capa , relatando as aventuras paulistanas . ( ABAIXO , ROBERTO É O AGACHADO , DA ESQUERDA PARA A DIREITA )

 Os destinatários eram tia Maria (que

compartilhava a leitura em família ) , meus amigos Líbero e Roberto ( o xará

Tramontini , vizinho de rua) , uma ou duas eventuais ocupantes temporárias do

coração e , a partir de julho de 78 , pelo menos uma vez por mês , a dona

definitiva .  ( ABAIXO , ROBERTO E ESPOSA )

A utilização dos blocos era concluída na metade do tempo normal,

pois cada carta tinha uma folha de papel-carbono por baixo ; então , no final ,

ficava meio bloco com as cópias ( que , lamentavelmente , perdi , assim como

toda a correspondência recebida ) .

A partir de meados dos anos 90 , a internet encurtou distâncias e tornou a carta

pessoal um ícone do passado .

 A palavra que , para nós do vigésimo século ,

representava tão somente uma saca de quinze quilos , virou um ícone da

comunicação moderna .

Os nascidos sob o signo da arroba (@) nem imaginam

como era a sensação de abrir um envelope com moldura verde-amarela , de um

lado o seu nome , do outro o de uma pessoa querida .

Lá dentro , em letra

caprichada , as últimas notícias de casa , da cidade , quem tá namorando quem ,

os casamentos , nascimentos...


Até cartas de rompimento eram mais emotivas , pessoais . Não essa bagunça

de hoje , que o destinatário nem dá bola e ainda mostra pra todo mundo .

Sem mais , um beijo . "

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