quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Relíquia

Talvez a nossa comparação não faça muito sentido mas caso Joinville fosse uma mulher , em 1951 ela seria aquela menina linda e graciosa , próxima de entrar na adolescência , e que , ansiosa , aguardava pelo tão esperado baile de debutante . ( ABAIXO , CELEBRAÇÃO DO CENTENÁRIO )

Já em 1975 ela seria aquela adolescente bonita e atraente , quase se tornando adulta........Poeticamente comparada a uma mulher loira e de olhos azuis , devido à predominância do elemento europeu em sua formação , a constituição étnica e cultural da cidade começava a mudar e em lugar daquele velho e arrastado sotaque alemão começavam-se a ouvir outros sotaques : uma terrível enchente ocorrida em março de 1974 ( ABAIXO ) fez com que muitas pessoas naturais da cidade de Tubarão escolhessem Joinville como a sua Terra Prometida , assim como moradores de outras localidades do sul do Estado , como Imaruí , Jaguaruna e Gravatal e também moradores da progressista região do Vale do Itajaí e , em grau menor , do interior do Paraná .

Essa mudança de sotaques e culturas também podia ser conferida no folclore local : além do grupo de folclore alemão SIBERFLUSS ( ABAIXO , CAPA DE DISCO DO GRUPO ) , formado por agricultores da região do RIO DO PRATA ,

o outro grupo folclórico presente na cidade era o TANGARÁS , que tinha como objetivo resgatar a cultura açoriana ( como é sabido , antes mesmo de ser fundada oficialmente Joinville já era povoada : estima-se que em 1851 já vivessem entre 600 e 900 pessoas na região - ABAIXO , XILOGRAFIA DE JOINVILLE FEITA EM 1850 ) .

 Outra prova de que aquela bucólica Joinville de 1951 , ainda com fortíssimos traços da época da colônia Dona Francisca , já era uma lembrança de uma passado cada vez mais remoto era o próprio perfil da cidade em 1975 : se em 1951 viviam aqui minguados 46.550 habitantes , vinte e quatro anos mais tarde a população era de cerca de 170.000 habitantes ( a população de Joinville na ocasião era constituída de 30.000 famílias , sendo que cada família era formada , em média , por 5 integrantes ) , tendo ainda 31.100 edificações ( 80 % da população de Joinville tinha casa própria ) , frotas de 19.000 veículos e 60.000 bicicletas , 1.200 ruas ( 25 % delas eram asfaltadas ) , 25 praças ( ABAIXO , PRAÇA DA BANDEIRA , EM 1975 ) ,

550 indústrias com cerca de 45.000 operários , 1.400 estabelecimentos comerciais com cerca de 20.000 funcionários , 12 hotéis , 31 restaurantes , 7 laboratórios de análises clínicas , 1 centro radiológico , 36 aparelhos de telex ( sinônimo de modernidade há 40 anos atrás ) , sendo já naquela ocasião o maior centro industrial  e a maior arrecadadora de impostos do Estado........Como se percebe aquela promissora cidade de 1951 já mais do que realidade ........( ABAIXO , VISTA AÉREA DE JOINVILLE NOS ANOS 70 )

      Além do intenso crescimento puxado pela atividade industrial um outro motivo explicava tantas transformações : ele era um sisudo ex-militar e ex-professor de Matemática  , natural de Florianópolis , casado com a filha de uma das maiores lideranças políticas locais e atendia pelo nome de PEDRO IVO FIGUEIREDO DE CAMPOS ( 1930-1990 - ABAIXO ) .

A menina dos olhos de sua administração como prefeito , iniciada em 31 de janeiro de 1973 , era o PLANO DIRETOR DE JOINVILLE , aprovado em 27 de abril daquele mesmo ano . Na verdade a ideia não era sua : já em 1965 ele havia idealizado pelo então prefeito HELMUT FALLGATTER ( 1920-2000 - ABAIXO  )

e no ano seguinte , quando NILSON WILSON BENDER ( 1928-2013 - ABAIXO ) já era o prefeito ,

chegou a ser elaborado um PLANO DE AÇÃO , embrião do Plano Diretor de 1973 e que previa , entre outras coisas , a ampliação do hospital São José , a criação do Museu do Sambaqui e a construção de um centro de exposições ( ABAIXO , A EXPOVILLE ) às margens da futura BR-101 e em local ocupado pelo então MATADOURO MUNICIPAL .

O crescimento acelerado de Joinville tornava imprescindível a existência de um conjunto de leis que não só o controlassem como impedissem que Joinville viesse futuramente a ser uma cidade caótica . Obviamente também era necessário ampliar a malha viária da cidade , fazendo que que houvesse uma livre circulação de veículos entre as zonas norte e sul da cidade . O crescimento também traz sacrifícios e um deles foi ter de pôr abaixo várias construções , que além de belas também eram históricas  : pouquíssimas das pessoas que hoje trafegam naquele trecho da avenida Juscelino Kubitscheck , entre as ruas Parde Carlos e Ministro Calógeras , imagina que ali um dia já existiram o antigo prédio da Prefeitura ( ABAIXO ) , um salão paroquial , uma continuação da atual Travessa São José e palacetes , como os pertencentes ao médico DAVID ERNESTO DE OLIVEIRA e ao sisudo neto de Abdon Baptista , ANTENOR DOUAT BATISTA ( a casa desse último localizava-se na esquina com a Ministro Calógeras ) .......

As pressões e resistências foram inevitáveis - entre elas de IRMÃ LÉA , então madre superiora do Colégio Santos Anjos , proprietário do salão paroquial e , portanto , um dos atingidos pela obra - mas nada que polpudas e generosas indenizações não resolvessem : em 1975 as obras do futuro eixo de acesso Norte-Sul andavam à todo vapor ( avenida acabou sendo inaugurada em 8 de março do ano seguinte ) . ( ABAIXO , VISTA AÉREA DA  AVENIDA JUSCELINO KUBITSCHECK NOS ANOS 70 , APÓS SUA INAUGURAÇÃO )

Outra obra prevista pelo plano diretor era a construção de um campus universitário , e o que 10 anos antes , época em que surgiu a primeira faculdade de Joinville , seria algo impossível de acontecer , tornou-se realidade em 2 de abril de 1975 : nessa data , e ocupando uma vasta área de cerca de 1 milhão de metros quadrados em uma região rural , era inaugurado o campus da então FUNC ( Fundação Universitária do Norte Catarinense ) , mas que só se tornaria uma universidade em 1996 , a UNIVILLE ( ABAIXO - em 1975 Joinville tinha 6 faculdades ) .

     O próprio crescimento do país , aliado `a quem estava no poder , tornou isso possível : pouco tempo após tomar o poder os militares elegeram o ENSINO TÉCNICO - incluindo o ensino superior - como uma de suas prioridades , visto que aos poucos o Brasil vinha se industrializando e eram necessários profissionais qualificados , o que fez  com que até mesmo algumas cidades de porte médio , como Joinville , passassem a ter as suas faculdades e mais tarde universidades . Na área das comunicações , Joinville tinha 5.000 ramais telefônicos ( ABAIXO , APARELHO TELEFÔNICO DA DÉCADA DE 70 )  , o que em uma época em que poucas pessoas podiam ter telefone , não deixasse de ser um número expressivo .

Joinville tinha 2 jornais - A NOTÍCIA (em circulação desde 1923 ) e JORNAL DE JOINVILLE ( que circulou entre 1919 e 1980 - ABAIXO,  O ANTIGO CASARÃO DO EX-PREFEITO PROCÓPIO GOMES DE OLIVEIRA E ONDE TAMBÉM FUNCIONOU A ÚLTIMA SEDE DO JORNAL  )

- e uma época em que ainda poucos tinham televisão ( ainda não existia uma emissora de TV na cidade e assistiam-se as programações  da TVs Coligadas e Cultura , de Blumenau e Florianópolis , respectivamente , e de duas emissoras de Curitiba ) , locutores de rádio , como JOSÉ ELY FRANCISCO ( ABAIXO )  ,

J . MARTINS , SALOMÃO RIBAS JÚNIOR , RENATO BALLOCK , WILSON FRANÇA e LOURIVAL BUDAL ( ABAIXO )

faziam sucesso e mandavam os seus recados nas ondas das rádios Cultura , Difusora e Colon . Em uma época em que os moradores de Joinville dormiam muito cedo e em que a vida noturna da cidade praticamente inexistia , com os estabelecimentos noturnos fechando exatamente às 10 horas da noite , entre os poucos locais de diversão estavam o bar SOPP , a boate ENGRENAGEM , a confeitaria DIETRICH , a sorveteria POLAR ,

 os cines COLON e PALÁCIO , os tradicionais CLUBE JOINVILLE , SOCIEDADE DO GINÁSTICOS e SOCIEDADE HARMONIA LYRA e ainda o recém inaugurado CAMPING CLUBE , onde hoje é o Zoobotânico . ( ABAIXO )

 O futebol profissional da cidade encontrava-se em um momento crítico : sobrevivendo graças `a ajuda de alguns poucos abnegados , com as dívidas cada maiores , vitórias cada vez mais esporádicas e conquistadas se tornando uma lembrança de um passado distante , a outrora vitoriosa dupla AMÉRICA-CAXIAS dava vexame ( o América foi o sexto colocado no campeonato estadual daquele ano , já o Caxias foi o nono colocado ) e uma ideia que a princípio havia sido sugerida em 1971 por KURT MEINERT , grande presidente e benemérito americano , e que havia sido solenemente ignorada pelos dois clubes , começava a ganhar corpo .......A partir de outubro de 1975 , uma série de reuniões e negociações lideradas por JOÃO HANSEN JÚNIOR  ( ABAIXO ) ,

dono  da poderosa COMPANHIA HANSEN , resultaria na fusão entre os departamentos de futebol profissional dos clubes e no surgimento do JEC , em 29 de janeiro do ano seguinte . ( ABAIXO , JOGADORES DO JEC ENTRANDO EM CAMPO PARA ENFRENTAR O VASCO , NAQUELE QUE FOI O PRIMEIRO JOGO DA HISTÓRIA DO CLUBE )

      Dois acontecimentos agitaram Joinville e despertaram a atenção da mídia local naquele ano : o primeiro deles foi a vinda , em 1 de maio e acompanhado de sua esposa e de sua filha , do general-presidente-ditador ERNESTO GEISEL ( 1907-1996 - ABAIXO  ) , o que incluiu a visita a linha de produção da Fundição Tupi . Mesmo com uma chuva fina , milhares de pessoas foram ao centro da cidade vê-lo .

 Aquela tradicional imagem de "cidade pacata, ordeira , progressista , disciplinada e trabalhadora " era intensamente explorada e foi muito bem aproveitada pela nada saudosa ditadura militar : com a exceção de João Figueiredo ( 1918-1999 )  , todos os generais-presidentes-ditadores estiveram na cidade na data de 1 de maio . ( ABAIXO , CASTELO BRANCO , QUE VISITOU A CIDADE EM 1966 )

Só que mesmo assim a cidade de Joinville esteve longe de ser uma das principais beneficiadas pelas verbas do governo federal , pois havia uma pedra no sapato : era o próprio prefeito Pedro Ivo , que mesmo sendo um ex-militar , não rezava da mesma cartilha que seus ex-colegas de farda e que era um dos mais destacados líderes do oposicionista partido MDB ( Movimento Democrático Brasileiro  ) , e a sua própria administração , recheada de obras , mudanças e atitudes inovadoras , era um tapa com luva de pelica na cara da ditadura ( dos então 17 vereadores de Joinville , nove eram do MDB , incluindo o então presidente da Câmara de Vereadores , ADERBAL TAVARES LOPES - ABAIXO ) .......

Mas o que acabou causando grande frisson em 1975 foi  a inauguração do navio petroleiro JOINVILLE , pertencente a hoje quase destruída PETROBRÁS......A inauguração aconteceu em 30 de junho e contou com as presenças do próprio Pedro Ivo e do ministro da Marinha , sendo que aquele era então o maior navio petroleiro do Brasil : construído no estaleiro ISHIKAWAJIMA , no Rio de Janeiro ( ABAIXO )  , pesava 131 toneladas , tendo 49 metros de altura , o equivalente a um edifício de 16 andares......

Talvez que tenha melhor definido o que foi a década de 70 em Joinville foi o jornalista NERVAL PEREIRA ( 1942-2001 ) : sendo ele , Joinville tinha 3 autoridades , maiores até do que o prefeito.........o comandante do 62 BI ( em 1975 era o tenente-coronel JADYR DE CARVALHO ) , o presidente da ACIJ ( em 1975 ele era OSWALDO MOREIRA DOUAT - ABAIXO -  , e , segundo se dizia , a entidade era mais fechada até do que a MAÇONARIA......)

e a dona da BOATE BAMBU , casa de prostituição próxima à então fábrica da cerveja Antárctica , hoje CIDADELA CULTURAL , e que sabia de fatos comprometedores e íntimos de figurões da cidade.......Dona de uma beleza ímpar , Joinville sempre chamou a atenção e atraiu muitos visitantes : naquele distante 1975 ( ABAIXO , FOTO DA ANTIGA PREFEITURA DE JOINVILLE NAQUELE ANO ) dois deles resolveram registar a sua passagem aqui por terras de Dona Francisca . O resultado acabou sendo o vídeo de hoje , uma verdadeira preciosidade  histórica , filmada com o que é hoje um objeto de museu : uma câmera SUPER 8 . O bem humorado vídeo ainda traz uma cena digna de uma história mitológica : o confronto entre uma dona de casa e uma cobra......VALE A PENA CONFERIR !

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