"Não, não, fiel leitor, assídua leitora; não carece olhar a data do jornal,
desconfiado de que tenha pego por engano um exemplar de 29 de agosto do
ND. Está mesmo repetido, nesta crônica, o título de uma reportagem da página
3 daquela edição. Era uma matéria sobre os empórios ( ABAIXO )
que ainda sobrevivem
na cidade, mantendo algumas características dos tempos antigos. Naquela
semana, ao me ser confiada a tarefa de fazer a reportagem, abri um arquivo no
cérebro pra ela,
como sempre faço desde o início da carreira, há 36 anos.
Pesquisei sobre o assunto, porém já com um roteiro definido; afinal, o tema não
me é estranho, já que durante a primeira fase da vida convivi com ele em Rio
Negrinho.( ABAIXO , DESFILE DE SETE DE SETEMBRO EM RIO NEGRINHO , NO ANO DE 1960 )
Pois bem, viajei de novo ao passado.
(Informo o leitor iniciante: às vezes minha
mente se lança nuns devaneios interessantes, me mandando de volta no
tempo, como objeto, animal ou outra pessoa; já fui motorista de zarco, bola de
futebol e até cavalo)
Desta vez, ao dormir pensando na reportagem, sonhei (viajei) que duas mãos
rudes e meio ensebadas
me sacudiam, puxando um bom pedaço do que
parecia ser minha pele e rasgando-a. Não senti dor alguma, estranhamente. A
pessoa (do sexo masculino) esticou a pele sobre uma superfície plana e usou-a
para embrulhar uma tigela de vidro, cheia de uma substância cremosa e
amarelada.
Logo a sensação se repetiu, agora com um puxão mais para cima,
como se o homem me arrancasse uma pequena porção de pele
no meio da
cara. Também vi – meio embaçadamente – que o sujeito utilizava minha ' pele '
para fazer um cone; em seguida, com uma concha metálica ,
encheu o tal cone
com umas minúsculas esferas marrons.
O leitor antenado já sacou a parada ? Ou melhor: ' morou na jogada ' , pra usar
uma expressão da época ?
Traduzo: voltei no tempo até um dia qualquer lá de meados do século passado,
na forma de um suporte de papel de embrulho, daqueles de madeira e metal,
com três tamanhos de rolo. Comecei a distinguir e reconhecer pessoas. As
rudes mãos eram do saudoso Evaldo Treml, dono de uma das vendas
do
nosso bairro (a outra era de Romão Eckel). Do local em que eu estava, bem no
meio do balcão, ao lado da colega Balança
e do amigo Baleiro,
tinha uma visão
do lado esquerdo do estabelecimento, a mercearia, onde se vendiam os
' secos-e-molhados ' .
À direita ficava o bar; e, pelo burburinho, devia ser final de
tarde, quando os homens voltando do trabalho dão a obrigatória parada para
entornar alguns mercedinhos de pinga e bater papo.
Pitando o inseparável cigarro de palha,
a ' pele ' que o bom Evaldo me arrancou
foi, na verdade, papel. Primeiro, do rolo médio, pra embrulhar a tigela cheia de
manteiga fresquinha; em seguida do suporte superior, uma tira menor pra
montar o cone, devidamente enchido com ' pingue-pongue ' , o amendoim
coberto de chocolate. A pequena despesa é anotada na ensebada caderneta,
que na capa mostra a identificação ' Família Szabunia ' . Agora vi quem era a
freguesa: Baba, minha vovó polonesa.
Acabara de comprar um quilo de
manteiga
e vinte centavos de ' pingue-pongue ' pro piá que a acompanhava.
Sim, meus amigos: era eu, pelos 7 anos,
calça curta, camisa colorida,
chinelinho de dedo, feliz da vida com o cone de amendoins nas mãos. Queria
ver quem estava no balcão do bar, mas não consegui; acordei com os olhos
encharcados pelas lágrimas da saudade..."
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