segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Lágrimas

Até as pessoas mais e frias e duronas , incluindo os machões convictos , se curvam à ela e por sua causa são capazes de derramar verdadeiros rios de lágrimas , e  também é um dos ingredientes que nos fazem voltar no tempo .......Curiosamente ela dá nome a um modesto município localizado no Oeste catarinense e entre as 42 língua faladas no mundo , sem contar os incontáveis dialetos , as línguas mortas , como o latim , e algumas poucas línguas isoladas , a língua portuguesa é a única a ter um nome para nomeá-la : SAUDADE . Na edição de 1969 , da ENCICLOPÉDIA UNIVERSAL , o gramático NILO ZIBETTI  deu a seguinte definição para ela : " RECORDAÇÃO , SUAVE E TRISTE , QUE TRAZ ALEGRIA PLEA LEMBRANÇA DO TEMPO VIVIDO COM PESSOA QUERIDA E TRISTEZA POR NÃO PODER SE REPETIR ; AUSÊNCIA DO ENTE QUERIDO ; NOSTALGIA , MELANCOLIA . " .......Poético , não ? Pois o brilhante gramático também poderia ter incluído em sua definição que a saudade também pode ser uma grande inspiração literária , não só para incontáveis poemas e histórias fictícias de brilhantes escritores mas também para uma crônica  que tem como cenário a pacata e bucólica Rio Negrinho da década de 60 e como seu protagonista o jornalista e contador de histórias ROBERTO SZABUNIA . Trata-se de mais uma das saborosas histórias contadas por esse que é o Forrest Gump de Joinville . CONFIRA :

"Não, não, fiel leitor, assídua leitora; não carece olhar a data do jornal,

desconfiado de que tenha pego por engano um exemplar de 29 de agosto do 

ND. Está mesmo repetido, nesta crônica, o título de uma reportagem da página 

3 daquela edição. Era uma matéria sobre os empórios ( ABAIXO )

que ainda sobrevivem 

na cidade, mantendo algumas características dos tempos antigos. Naquela 

semana, ao me ser confiada a tarefa de fazer a reportagem, abri um arquivo no 

cérebro pra ela,

 como sempre faço desde o início da carreira, há 36 anos. 

Pesquisei sobre o assunto, porém já com um roteiro definido; afinal, o tema não 

me é estranho, já que durante a primeira fase da vida convivi com ele em Rio 

Negrinho.( ABAIXO , DESFILE DE SETE DE SETEMBRO EM RIO NEGRINHO , NO ANO DE 1960 )


Pois bem, viajei de novo ao passado.

 (Informo o leitor iniciante: às vezes minha 

mente se lança nuns devaneios interessantes, me mandando de volta no 

tempo, como objeto, animal ou outra pessoa; já fui motorista de zarco, bola de 

futebol e até cavalo)


Desta vez, ao dormir pensando na reportagem, sonhei (viajei) que duas mãos 

rudes e meio ensebadas 

me sacudiam, puxando um bom pedaço do que 

parecia ser minha pele e rasgando-a. Não senti dor alguma, estranhamente. A 

pessoa (do sexo masculino) esticou a pele sobre uma superfície plana e usou-a 

para embrulhar uma tigela de vidro, cheia de uma substância cremosa e 

amarelada.

 Logo a sensação se repetiu, agora com um puxão mais para cima, 

como se o homem me arrancasse uma pequena porção de pele 

no meio da 

cara. Também vi – meio embaçadamente – que o sujeito utilizava minha ' pele '

para fazer um cone; em seguida, com uma concha metálica , 

encheu o tal cone 

com umas minúsculas esferas marrons.

O leitor antenado já sacou a parada ? Ou melhor: ' morou na jogada ' , pra usar 

uma expressão da época ?


Traduzo: voltei no tempo até um dia qualquer lá de meados do século passado, 

na forma de um suporte de papel de embrulho, daqueles de madeira e metal, 

com três tamanhos de rolo. Comecei a distinguir e reconhecer pessoas. As 

rudes mãos eram do saudoso Evaldo Treml, dono de uma das vendas 

do 

nosso bairro (a outra era de Romão Eckel). Do local em que eu estava, bem no 

meio do balcão, ao lado da colega Balança

 e do amigo Baleiro,

 tinha uma visão 

do lado esquerdo do estabelecimento, a mercearia, onde se vendiam os 

' secos-e-molhados ' .

 À direita ficava o bar; e, pelo burburinho, devia ser final de 

tarde, quando os homens voltando do trabalho dão a obrigatória parada para 

entornar alguns mercedinhos de pinga e bater papo.


Pitando o inseparável cigarro de palha,

 a ' pele ' que o bom Evaldo me arrancou 

foi, na verdade, papel. Primeiro, do rolo médio, pra embrulhar a tigela cheia de 

manteiga fresquinha; em seguida do suporte superior, uma tira menor pra 

montar o cone, devidamente enchido com ' pingue-pongue ' , o amendoim 

coberto de chocolate. A pequena despesa é anotada na ensebada caderneta,
 

que na capa mostra a identificação ' Família Szabunia ' . Agora vi quem era a 

freguesa: Baba, minha vovó polonesa.

 Acabara de comprar um quilo de 

manteiga

 e vinte centavos de ' pingue-pongue '  pro piá que a acompanhava. 

Sim, meus amigos: era eu, pelos 7 anos, 

calça curta, camisa colorida, 

chinelinho de dedo, feliz da vida com o cone de amendoins nas mãos. Queria 

ver quem estava no balcão do bar, mas não consegui; acordei com os olhos 

encharcados pelas lágrimas da saudade..."

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