sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Entrevista : MARIA CRISTINA DIAS

Certa vez um famoso e reconhecido , até mesmo internacionalmente , escritor brasileiro deu a seguinte declaração : " O RIO É UMA MULHER MORENA , ENFEITADA DE FLORES E DEITADA SOB O SOL NAS AREIAS DO ATLÂNTICO ".........A poética declaração não foi de nenhum carioca da gema mas sim do gauchíssimo ÉRICO VERÍSSIMO (1905-1975 ) , autor de romances épicos , como OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO ( 1938 ) , e de uma série de livros , publicados entre 1947 e 1962 , que contam de maneira igualmente épica a história do Rio Grande do Sul . Mineiros , baianos , paulistas , catarinenses , gaúchos , argentinos , americanos , ingleses ......independente da procedência é impossível não se render aos encantos da antiga capital do país . Só que existe um detalhe : a declaração do mestre gaúcho foi dita em 1945.......portanto em uma época distante e com valores completamente diferentes . Junto com o glamour , a beleza, o charme a inigualável simpatia e bom humor do carioca existem problemas colossais e bem conhecidos de todos : favelas , crime organizado , poluição da baía de Guanabara , caos urbano , "música "  e bailes funk.........a realidade da bela metrópole não é muito diferente de outros grandes centros caóticos , como São Paulo , Cidade do México e Bombaim ( Índia ) mas , realmente , ultimamente está difícil viver lá ......Em 1994 uma jovem jornalista , então recém formada , vivia esse drama :  queria fugir do caos , viver em um lugar aonde tivesse um mínimo de paz , tranquilidade e sossego . E pelo acaso descobriu uma agradável contradição : uma progressista cidade catarinense com nome francês e colonização alemã .......O que era uma paquera , logo virou namoro e de namoro transformou-se em um longo casamento que já dura produtivos 21 anos !

     Fascinada e intrigada com o seu novo lar e ainda tendo aquela curiosidade investigativa de todo jornalista que se preze , ela aos poucos passou a mergulhar na alma da cidade . Mias além : passou a resgatar um pouco da história da cidade . Graças a esse trabalho de incansável formiguinha , os privilegiados leitores do jornal NOTÍCIAS DO DIA já há alguns anos podem conferir as deliciosas e fascinantes histórias que abrilhantam a seção de MEMÓRIA daquele jornal . INCANSÁVEL , ela ainda mantém um site trazendo depoimentos , fotos raríssimas , artigos e histórias raras e interessantíssimas ; participa da comunidade virtual ( no facebook ) JOINVILLE DE ONTEM e em 2011 ainda brindou a todos os amantes de Joinville e de sua história  com o livro SE ESSAS PAREDES FALASSEM .......UM BREVE OLHAR SOBRE ANTIGAS CASA QUE MARCARAM A CONSTRUÇÃO DE JOINVILLE , em que não apenas conta a história dessas antigas edificações como também conta a  história de quem viveu nelas . TEMOS ESSSE LIVRO E O RECOMENDAMOS !  Aliás , Joinville deve agradecer muito não só a ela como também a outros "formiguinhas " incansáveis , como o historiador DILNEY CUNHA , a agricultora BRIGITTE BRANDEMBURG , o comerciante VALMIR SANTHIAGO e o professor NICÁCIO TIAGO MACHADO , heróis anônimos e sem os quais muito da história e da memória da cidade se perderia ......Nascida em 14 de janeiro de 1970 ( desculpe termos revelado a sua idade ! ), é formado em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense , pós graduada em Marketing e Comunicação pela Fundação Getúlio Vargas -SOCIESC  e mestra em Patrimônio Cultura e Sociedade pela Univille . Também participa do programa CIDADE EM AÇÃO ( TV Cidade ) e até recentemente foi coordenadora do MUSEU NACIONAL DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO , sendo autora também de mais 2 livros . Como se vê , é dona de um currículo respeitável , mas agora a situação é diferente : de entrevistadora agora ela é a entrevistada ! Com vocês a garota carioca( ou seria formiguinha ? )  : MARIA CRISTINA DIAS ( ABAIXO ) . .CONFIRA :





1 - O QUE FEZ VOCÊ VIR A MORAR EM JOINVILLE? COMO FOI A SUA ADAPTAÇÃO E O QUE LOGO LHE CHAMOU A ATENÇÃO ?

MARIA CRISTINA - Eu morava no Rio de Janeiro



 e queria um local com qualidade de vida para viver. Era uma época de mudanças na vida – eu estava noiva, havia acabado de me formar em Comunicação Social-Jornalismo, estava há pouco tempo no mercado de trabalho... ou seja, era um momento em que você avalia para onde quer ir, em muitos sentidos.

Joinville surgiu quase por acaso. Desde muito cedo, costumava ler os jornais inteiros, de trás para frente... editais, classificados... passava os olhos em tudo.



 Um dia me chamou atenção um pequeno anúncio falando de Joinville. Quando cheguei aqui e vi a cidade, me encantei logo.



 Na época, final de 1994, as ruas eram de paralelepípedo, os muros ainda eram baixos, as casas tinham jardins floridos – e estas flores se espalhavam por canteiros nas ruas. Para mim, que vinha de um Estado caótico e violento como o Rio de Janeiro, onde as pessoas viviam em apartamentos cercados de grades, aquilo pareceu um oásis.



Aliado a isso, tinha a perspectiva de crescimento profissional. Pouco tempo depois de me instalar, comecei a trabalhar como repórter da sucursal do Diário Catarinense. Repórter de sucursal faz de tudo um pouco – um dia cobri até o JEC, acredite! Logo eu que não sei nem para que lado fica o gol em um campo de futebol.........



Nessas andanças como repórter, percorria a cidade de Norte a Sul, área urbana e área rural. ( ABAIXO, REGIÃO DO RIO PIRAÍ , NA PARTE RURAL DO BAIRRO VILA NOVA )



E comecei a descobrir uma cidade real, que ia além dos jardins floridos da zona Norte. Uma cidade que estava aprendendo a lidar com as consequências de um crescimento muito grande e muito rápido



e com as mudanças culturais que ele proporcionava. Embora a cultura germânica ainda fosse muito marcante – e ainda é, no meu entender – havia uma gama de outras culturas e valores, que se estabeleceram com a chegada de uma legião de migrantes ao longo das últimas décadas do século 20, e que já apresentava no dia a dia da cidade.

Era uma cidade heterogênea, complexa. Para mim, instigadora. Mais do que simplesmente morar, ou conhecê-la, eu queria entendê-la. ( ABAIXO , MARIA CRISTINA , DE BRANCO )



Com essas percepções de Joinville e a mudança consciente que fazia parte do meu projeto de vida, a adaptação inicial foi tranquila. Estranhei a chuva, claro.



 Em janeiro de 1995, o primeiro mês que eu fiquei inteiro na cidade, choveu o mês inteiro. Na época, eu escrevi para a mim dizendo que

em Joinville chovia todo dia, o dia todo. Parece um exagero, mas não é. Dois anos depois, fazendo uma matéria sobre o estouro da barragem de Pirabeiraba ( ABAIXO ) , que ocorreu em fevereiro de 95,



 depois daquela chuvarada toda, constatei que naquele mês só não houve precipitação em três dias. Minha percepção não estava tão errada.

Mas logo fiz amigos que me acompanham até hoje. E aos poucos me estabeleci profissionalmente e fui, como tantos migrantes ( ABAIXO , FAMÍLIA DE MIGRANTES CARIOCAS RADICADA EM JOINVILLE ) , construindo a minha vida.







2 - O QUE A DESPERTOU PARA A HISTÓRIA DE JOINVILLE? EM TODO ESTE TEMPO DE PESQUISA QUAL FATO OU QUAIS FATOS DA HISTÓRIA DE JOINVILLE LHE CHAMARAM ATENÇÃO ? PODERIA COMENTAR SOBRE ESSE FATO CONOSCO ?



MARIA CRISTINA - Sempre gostei de História. Quando menina, queria ser arqueóloga



 – acho que todo mundo passa por essa fase de fascínio. Na hora de fazer vestibular, fiquei na dúvida entre os cursos de História e Comunicação e me inscrevi para os dois. O pior foi passar para os dois e ter que escolher. Mas decidi ir fazer Comunicação Social – Jornalismo na UFF.( ABAIXO , UM DOS CAMPUS DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE )



 A escrita sempre foi a minha principal forma de expressão,



 e isso pesou muito na decisão. A possibilidade de acompanhar os fatos em tempo real e fazer essa mediação para o leitor, que seduz o jovem estudante, também me seduziu, é claro. E muitos, muitos outros fatores. Mas, de certa forma, nunca me distanciei do gosto pela história.

Quando cheguei em Joinville,



me dei conta de que estava em um local estranho, que me faltavam referências. Essas referências que são construídas sem percebermos, ao longo da vida toda, ao vivermos em um lugar. É um reconhecimento do espaço, que vem do conhecimento – mesmo quando esse conhecimento não claro para a gente.

Comecei a andar pela cidade para me situar. Olhava os prédios e me perguntava o que eles significavam, por que estavam ali, o que tinha acontecido neles. Olhava para as ruas e tentava entender com a cidade se constituiu, como cresceu.



 E as pessoas, com os seus hábitos e fala diferentes eram um desafio a parte.

Quanto ao que me chama a atenção na história de Joinville... é bem difícil de responder. Eu me interesso pela história das pessoas, do dia a dia. Busco aquilo que não está escrito, que está na vivência das pessoas. Ou o que elas deixaram escrito, mas que está esquecido no tempo, como os relatos dos memorialistas, por exemplo. Cada pessoa traz uma narrativa da cidade que é só dela, da forma como ela viveu esse espaço, essa cultura (ou essas culturas), mas ao mesmo tempo é representativo de uma época. Conhecer isso, fazer essas correlações, é, para mim, fascinante.

Mas para não fugir da sua pergunta... A relação com o príncipe de Joinville ( ABAIXO ), que dá nome à cidade, sempre me chamou a atenção.



Veja bem, ele nunca veio, fisicamente na cidade. Essa relação se dá à distância. No entanto, ele teve e tem uma presença forte aqui. No passado, com toda a movimentação que deu origem à Colônia Dona Francisca, com o Domínio Dona Francisca e a estruturação e desenvolvimento do entorno da colônia... ( ABAIXO , UMA DAS PRIMEIRAS GRAVURAS DO ENTÃO VILAREJO PERDIDO NA SELVA E QUE DATA DE 1850 )



Hoje, você anda pelas ruas da cidade e vê as alusões ao príncipe (a rua, a alameda, a Maison Jonville, ou “Palácio dos Príncipes” ( ABAIXO ) , como consta na identificação do tombamento do Iphan, por exemplo, o busto da princesa, etc.).



 Ou seja, embora ausentes estes príncipes mantiveram uma presença que ainda é referência em uma cidade que passou por tantas modificações ao longo de mais de 160 anos. Isto merecia um estudo – nem sei se já tem, mas se tiver, eu gostaria de conhecer. ( ABAIXO , A RUA DAS PALMEIRAS , QUE SURGIU PARA SER A ENTRADA DO PALÁCIO DOS PRÍNCIPES )







3- COMO VOCÊ VÊ O CENÁRIO CULTURAL DE JOINVILLE ?

MARIA CRISTINA - Acho que o cenário cultural de Joinville passa por um momento bem rico. Há todo um movimento de se pensar a cultura com algo estratégico para o desenvolvimento da cidade e de sua população, se estabelecendo políticas públicas que vão além de uma gestão – são da cidade. Embora a participação ainda seja pequena – e eu faço o meu mea-culpa porque também não participo desses debates –  ( ABAIXO , MARIA CRISTINA )



vejo com admiração as pessoas pensarem em cultura de forma mais ampla, definindo

metas e ações que independam do governo, que tenham continuidade e coerência. E cobrando que eles sejam colocados em prática. Acho que o caminho é esse e acredito que, com o tempo, esta participação vai ser ampliada. Mas é um processo e também tem seu ritmo.

Já as manifestações culturais refletem a diversidade da cidade. ( ABAIXO , FEIRA DO PRÍNCIPE )



Tem para todos os gostos, estilos, desejos. Quem fica em casa hoje e diz que em Joinville não tem nada para fazer está profundamente enganado. Tem, e muito. Música, dança, teatro, ( ABAIXO , GRUPO DE TEATRO O CANTO DO POVO )



 artes plásticas...( ABAIXO , ANDERSON ALBERTON , UM DOS GRANDES VALORES DA NOVA GERAÇÃO DE ARTISTAS PLÁSTICOS DE JOINVILLE )



 é buscar as diversas agendas culturais e escolher o que quer fazer, porque, efetivamente, tem opções.





4 - POR ÚLTIMO , QUE MENSAGEM GOSTARIA DE DEIXAR AOS LEITORES DO ALAMEDA CULTURAL ?



MARIA CRISTINA - Tem um livro infantil chamado “O frio pode ser quente”, ( ABAIXO ) que mostra de maneira lúdica e bem-humorada, que algo que você pensa que é de uma forma, pode ter muitas outras formas diferentes, dependendo do jeito que você vê.



Acho que conhecer a cidade é fundamental para entendê-la como é hoje e para pensar em como a queremos. Olhar para os problemas é o primeiro passo para resolvê-los. Mas ver e viver a cidade, o espaço que te abriga, de uma forma gentil é sempre um bom exercício.( ABAIXO , VISTA AÉREA DE JOINVILLE )


Nenhum comentário:

Postar um comentário