segunda-feira, 6 de abril de 2015

Memórias De Um Lenhador

Abençoado padrinho ! Bendito HERBERT VIANNA , que já famoso , em 1983  na rádio FLUMINENSE , do Rio de Janeiro , comentou sobre uma então desconhecida banda de Brasília liderada por um talentoso e afinadíssimo vocalista .......Aquela banda logo provou que aquilo não era apenas conversa de padrinho e em 1985 toronou-se uma das grandes revelações do rock nacional , emplacando sucessos como SERÁ , SOLDADOS e AINDA É CEDO  ; a LEGIÃO URBANA entrava no ano de 1986 cheia de planos e ideias : o segundo disco da banda , a ser lançado em julho daquele ano , seria duplo e teria o título de MITOLOGIA E INTUIÇÃO , mas por determinação da gravadora , a inglesa EMI , ele acabou sendo simples mesmo . Definitivamente a palavra SIMPLES não serve para definir o disco DOIS : com cerca de 1,2 milhão de cópias vendidas , do disco consolidou a Legião como uma das bandas do primeiro time do rock brasileiro , como emplacou sucessos até hoje lembrados , como a quilométrica e romântica EDUARDO  E MÔNICA  , a politizada ÍNDIOS , a esperançosa TEMPO PERDIDO e a otimista QUASE SEM QUERER . Em um disco com tantos clássicos  , não poderia faltar uma obra-prima , mas curiosamente ela não fez sucesso .......Como era um costume à época , e é até hoje , as músicas com chance para se tornarem sucessos era lançadas geralmente antes do lançamento do próprio disco , eram os chamados SINGLES , e a música em questão foi um dos 5 singles daquele clássico disco .Para quem ouve o disco DOIS é muito difícil não prestar atenção em ACRILIC ON CANVAS ( que significa ACRÍLICO SOBRE TELAS , o nome de uma técnica de pintura ) .

      Poética e um tanto enigmática , parte de sua poesia aparece logo em seu primeiro trecho : " É SAUDADE , ENTÃO / E MAIS UMA VEZ / DE VOCÊ FIZ O DESENHO MAIS PERFEITO QUE SE FEZ " e logo adiante aparece um trecho intrigante : " DA SUA CAMA ARRANQUEI PEDAÇOS / QUE TALHEI EM ESTILHETES DE TAMANHOS DIFERENTES / E FIZ ENTÃO PINCÉIS COM SEUS CABELOS " . Pelo que se sabe a musa inspiradora dessa música foi a mesma de AINDA É CEDO e EU SEI . Logo surgem várias perguntas : Quem era a tal musa inspiradora de Renato Russo ? A música é sobre um amor fracassado ? Sobre um crime passional ? Sobre um homem que tem fantasias a respeito da mulher amada e não se aproximou dela por timidez ? Essas são perguntas que só o próprio Renato Russo , falecido em 11 de outubro de 1996 , poderia responder ......Ele não canta como Renato Russo mas também faz suas poesias ......Na crônica de hoje , JOEL GEHLEN relembra um pouco de sua infância na pequena Mamborê , interior do Paraná . O desfecho poético da crônica poderia perfeitamente fazer parte de ACRILIC ON CANVAS .......ou será que exageramos ? CONFIRA :

"Lenhador foia minha primeira profissão .



 Já aos cinco para seis anos de idade recolhia gravetos e ajudava a levar lenha picada para o paiol , onde era meticulosamente armazenada para os dias de chuva , que nos dias de chuva se alongavam até quase o infinito . Para quem morava no sítio  ter lenha era necessidade básica . O fogo era a única fonte de energia da casa . Era acesso antes de o sol nascer , para aquecer a água do café d o chimarrão , e só morria em cinzas tarde da noite . Nos longos e úmidos invernos da infância , as melhores horas eram passadas em torno do fogão .



    Desde então aprendi os cheiros , os veios , as cores , as diferentes densidades e os pesos de muitas variedades de madeira .



 Da combustão ao teto , habitei um mundo de madeira . Depois , a vida tomou outros rumos . Virei um homem artificial , de plástico .( ABAIXO , JOEL GEHLEN )



 Foi na oficina de xilografia André Miranda que redescobri minha alma de celulose , reaprendi que o lenho e a goiva dialogam e desenvolvem uma semântica pura , porém caroável . Embora não domine o traço , nem saiba desenhar , reencontrei o movimento do braço lenhador , o mesmo que em criança compassava a serra dentada para cortar cepos



 . O braço agora sulca sucessivas tangentes com ritmo e cadência , em busca do poema concreto . É um estado bruto , anterior à estética , sem conceitos ou atributos .

   Bem antes de começara a gravar , ao encetar o cepilho sobre a tábua , na plaina de madeira , redescubro a cor e o cheiro da peroba-rosa . ( ABAIXO )



 Recobro uma sensibilidade que supunha anestesiada para as coisas vãs que nos afeiçoam inexplicavelmente . Os dedos tocam o lenho cheios de carícia e gravam tomados de uma súbita imersão mística , como a de um cego ,



 capazes de aprender o mundo pela sequência de pontos e traços em relevo . A escolha do papel por sua cor , tamanho , gramatura , porosidade busca acentuar um ou outro efeito . A tinta é outro ritual que se percebe pelo cheiro



 e pelo som do rolo esticando a massa pastosa  sobre a mesa impermeável . De pois da matriz entintada , a impressão é uma entrega . Todo o processo requer domínio técnico , mas há uma grande margem de acaso sobre o resultado . Assim , a gravura é também um lance mallarmeico  de dados escuros e claros."


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