sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Entrevista : NICÁCIO TIAGO MACHADO

Como aquele aluna quieta e discreta , sentada na última carteira da sala de aula , ela não chama muito a atenção e passa quase que despercebida  , como uma velha e simpática rendeira açoriana , ela tem muito o que contar ........Em 1530 o navegador italiano , a serviço da Espanha , SEBASTIÃO CABOTO , descobriu a foz de um rio que receberia o nome de TIJUCAS ( em tupi : ÁGUA DO MANGUE ) e mais de 2 séculos mais tarde , a partir de 1753 , a região começou a receber levas de imigrantes açorianos . A partir de 1788 a concessão de terras , ou SESMARIAS , tornou-se comum naquela região e um desses sesmeiros , um espanhol chamado SEBASTIÃO COZAS , por volta de 1830 ergueu uma modesta capela com a imagem de seu santo de devoção , SÃO SEBASTIÃO , que logo tornou-se padroeiro da pequena comunidade . O povoado cresceu rápido e em 4 de maio de 1848 foi elevado a freguesia (hoje distrito ) da vila de PORTO BELO , com o longo nome de SÃO SEBASTIÃO DA FOZ DO RIO TIJUCAS e por decreto provincial de 4 de abril de 1859 tornou-se um município , o que só se efetivou em 13 de junho de 1860 , com parte de seu território sendo desmembrado de Porto Belo e a outra parte de SÃO MIGUEL , hoje Biguaçú . Aos antigos descendentes de açorianos vieram se juntar , a partir da década  de 1870 , famílias de italianos e , em menor grau , de alemães . Vivendo durante décadas em função da agricultura , da produção de pequenas olarias e da produção de açúcar , quase toda comprada pela USATI ( usina cuja sede era no vizinho município de São João Batista ) , na década de 60 a velha senhora açoriana começou a entrar em decadência : seu velho , mal aparelhado e pequeno porto foi desativado e milhares de seus filhos foram tentar uma vida melhor em cidades maiores . Muitos tijucanos migraram para Joinville , atraídos pela farta quantidade de empregos ; muitos também foram trabalhar na FUNDIÇÃO TUPY , sendo até comum , em várias regiões do bairro Boa Vista , aquele sotaque cantado e típico açoriano , tão comum em várias cidades do extenso litoral catarinense  . Procurando uma vida melhor , para cá vieram  a princípio os pais e depois o nosso primeiro entrevistado de 2015.........

       Nascido em 5 de novembro de 1949 e formado em Letras pela UFSC  , NICÁCIO TIAGO MACHADO ( FOTO ABAIXO ) se define da seguinte maneira : "SOU CASADO COMA LÍNGUA PORTUGUESA E AMANTE DA HISTÓRIA " . Esse triângulo amoroso rendeu um fruto : Nicácio dedicou longos e  exaustivos 26 anos de sua vida para uma colossal obra sobre a cultura e a história de Joinville e que recebeu o nome de HISTÓRIA ENCICLOPÉDICA DE JOINVILLE . Trata-se de um cd contendo uma pesquisa dividida em 31 capítulos , que por sua vez são subdivididos em temas , os mais diversas e ele não apenas traz informações como também as comenta . Você sabia que , por exemplo , em um velho e discreto prédio quase em frente da praça da Biblioteca Pública de Joinville  funcionou a primeira sede do tradicionalíssimo COLÉGIO BOM JESUS ? ( Na parte térrea do prédio hoje funcionam lojas de calçados e é um dos tantos prédios vítimas da poluição visual ) . Você sabia que a rua Princesa Isabel chegou a se chamar RUA DO PORTO DE CIMA em função de um pequeno porto que havia aonde hoje está a ponte em frente a Malharia Lepper ? ( a rua Abdon Baptista era a rua  PORTO DE BAIXO , visto que ao seu final havia um pequeno porto e uma pequena e lodosa enseada vinha até ali ) . Você sabia que a prefeitura de Joinville funcionou entre 1936 e 1974 no local hoje ocupado pelo prédio do camelódromo municipal e parte da avenida JK  ? (nesse local também funcionou um colégio ) . O que você acabou de ler é apenas uma mínima pate das informações guardadas e pesquisadas por essa verdadeira enciclopédia ambulante chamada Nicácio ( ou será uma formiguinha ? ) . Professor de Língua Portuguesa , ele também tem a complicada e espinhosa missão de lecionar em um país que despreza a cultura . Sincero e sem papas na língua , ele se mostra completamente decepcionado com a Joinville atual , fazendo críticas duras e até ácidas , como você verá nesta nossa conversa ( ou seria desabafo ?  ) . Polêmica à vista........CONFIRA :



1- O QUE O LEVOU A VIR MORAR EM JOINVILLE ?

NICÁCIO - Minha vinda para Joinville não foi  , necessariamente , programada . Eu já havia morado em Curitiba , onde fiz faculdade de Filosofia Pura , depois fui para Florianópolis , onde cursei Letras  e, em paralelo , Geografia .

 Em 1974 , concluídos os cursos em Florianópolis e estando em férias , vim passar um tempo com meus pais em Joinville , que para cá tinham vindo anos antes em busca de oportunidades . A minha intenção , à época , era ficar um tempo aqui em Joinville com eles e meus irmãos e , depois , um tempo em Curitiba , onde tenho amigos  e boa parte de meus parentes .

 Terminado o período de férias , eu voltaria para Florianópolis , para continuar ministrando minhas aulas de Português  . Ocorre que eu já havia estudado 11 anos em colégio interno , ou seja , sempre meio distante  de pai , mãe e irmãos . Em razão disso , eles me convenceram a a ficar morando em Joinville . " Nossa , emprego aí é mato , tem em todo lugar " , diziam eles . E era verdade . Afinal o Milagre Econômico Brasileiro chegava ao fim , ( ABAIXO , FOTO DO PRESIDENTE-GENERAL-DITADOR  EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI  , QUE GOVERNO O BRASIL ENTRE 1969 E 1974 E EM CUJO GOVERNO OCORREU O AUGE DO CITADO FENÔMENO ECONÔMICO )



 iniciando uma grande crise , mas Joinville , alheio a quase tudo , não havia ainda se ressentido dessa grande ressaca e estava em grande efervescência e ebulição . Tanto isso é verdade , que consegui seis empregos em um único dia . Não eu que era bom , era a cidade que era magnânima . ( ABAIXO , TERMINAL URBANO DE JOINVILLE NOS ANOS 70 )



2- QUAL FATO OU QUAIS FATOS DA HISTÓRIA DE JOINVILLE MAIS LHE CHAMARAM A ATENÇÃO ?

NICÁCIO - O que mais me cham a atenção é que esta é uma cidade muito rica , rodeada de pobres por todos os lados . É uma cidade devoradora . Consome a energia das pessoas nas suas engrenagens e insalubridades em nome do capital . Causa-me espécie saber que a produção de riqueza é muita , mas ela , a meu juízo , mais do que em outros grandes centros  não distribui a riqueza justamente . ( ABAIXO , BAIRRO JARDIM PARAÍSO , UM DOS MAIS POBRES E VIOLENTOS DA CIDADE )



 Acho que hoje , depois que tantas empresas foram vendidas ao capital estrangeiro , tudo ficou ainda mais desumanizado .

  A Joinville de hoje me enche de tristeza . A cidade foi destruída ao longo de quatro décadas . Aqui muito posso de bom e muitos de ruim . Não há parques , ( ABAIXO , PARQUE NO BAIRRO COMASA )



 não há lazer proporcionado pela natureza e muito menos pelo poder público ou iniciativa privada . Não há teatros de verdade , não há representações culturais de grande valor . Nesse aspecto Santa Catarina é um traço no mapa entre Paraná e Rio Grande do Sul .

  Ante essa ausência de ter o que fazer , o povo , desde o tempo da colônia Dona Francisca faz o que pode para simular algum tipo de lazer : vai ver a cascata Piraí e finge que aquilo é mesmo interessante , já que não há por aqui as cascatas de Foz do Iguaçú ; vai para a lodosa Vigorelli ( FOTO ABAIXO )  olhar para o nada ,



porque a natureza não foi assim tão benfazeja conosco e os mais afoitos vão disputar um espaço nas areias de Barra Velha , comprometidas pelas ações violentas do mar .

  Enfim , eu fui ludibriado e estou pensando em pedir o meu dinheiro de volta porque hoje eu não tenho mais a minha disposição a cidade que me mostraram quando aqui cheguei : cidade bonita , charmosa , linda , , cheia de gente honesta , encanto e flores . Antigamente havia concurso de jardins porque quase toda casa tinha jardins com flores e grama . Hoje há a horrorosa , hedionda , inóspita e escaldante brita em lugar dos elementos naturais próprios para um jardim . Até as gramas das praças , Plameiras , Bandeira , Graciosa , Parque da Cidade , Dario Salles  , choraram quando a grama , árvores  e flores foram trocadas por pedra . Enfim , Joinville virou uma grande chapa quente . E isso é decepcionante , não só porque gera feiúra , desumanização e desconforto , mas poque , sendo Joinville uma cidade por natureza quente e abafada ,



 deveria ser exemplo em combate às altas temperaturas . Aí eu te pergunto : o que fazem os nossos cursos superiores ?

  O melhor exemplo do nosso desleixo mesmo é a Rua das Palmeiras . Ela era um dos grandes orgulhos de nossa cidade . Todo joinvilense tinha gosto em levar os parentes que vinham de fora para ver aquela beleza . Toda noiva , aliás , deixava o jantar na mesa , no dia do casamento , para ir lá fazer sessão de fotos . Hoje o que há por lá é sujeira , mato e lixo acumulado . Além de transformarem o bulevar em pedra ,



com uma nesga de uma grama sem graça , que chamam de grama-feijão ; não põem flores e este ano piorou , pois nem enfeite de Natal a famosa rua ganhou .

3 - NESSE LONGO TEMPO DE PESQUISA  QUE FATO LHE DEU MAIS ORGULHO ? ONDE E COMO PODEMOS ADQUIRIR O SEU TRABALHO ?

NICÁCIO - O orgulho de Joinville está todo ligado ao passado . Ou para exagerar , até a década de 70 ou 80 . Por aqueles tempos havia grandes homens na cidade . Exemplo disso , entre outros , na história mais recente foram os dois ilustres jovens : Cau Hansen ( NOTA DO BLOG : CARLOS ROBERTO HANSEN  foi diretor-presidente da Tigre entre 1983 e 1994 , destacou-se por suas obras sociais , foi vice-presidente do JOINVILLE ESPORTE CLUBE e  principal financiador do clube e do esporte amador da cidade ; faleceu em maio de 1994 na Colômbia , vítima de acidente aéreo) e Dieter Schmidt ( NOTA DO BLOG : diretor-presidente da Fundição Tupy entre 1960 e 1979 , secretário estadual de Indústria e Comércio entre 1979 e 1981 ; faleceu em setembro de 1981 , vítima de acidente aéreo , nas proximidades de Concórdia e praticamente criou os bairros Boas Vista e Comasa . FOTO ABAIXO )  .



  Eles eram líderes , eles eram respeitados , eles tinham ideias na cabeça , dinheiro no bolso , e o que era mais importante : moral para comandar as ações e fazer as coisas acontecerem .

 Eram homens conhecidos até mesmo fora das fronteiras da cidade  , do Estado e até mesmo do país . Joinville hoje está carente dessas lideranças , que tinham como qualidade o amor à cidade acima de seus próprios interesses  e isso eu não consigo visualizar no momento ,o que gera na nossa gente uma grande desolação e sensação de baixa auto estima .

  Quanto ao meu trabalho história Enciclopédica de Joinville , ele se encontra à venda na Rua das Palmeiras  , número 46 , Cafeteria Frankfurt  .( FOTO ABAIXO )



4 - EM ENTREVISTA PARA O SITE PORTAL JOINVILLE O SENHOR  AFIRMOU QUE DAQUI A 300 ANOS JOINVILLE CONTINUARÁ ATRÁS DE CURITIBA . EM SUA OPINIÃO , QUAL É O MOTIVO DESSE ATRASO ?

NICÁCIO - O nosso problema é político . Tivemos nos últimos  anos gestores muito ruins . Nesses últimos a cidade andou para trás . No dizer do nosso senador , Joinville arrecada 100 e gasta 105 . Ora , como administrar uma cidade com esse fluxo de caixa ? Por conta disso o que se vê são ruas esburacadas e quando os buracos são tampados a qualidade do serviço é ruim , sempre feito em auto-relevo , gerando grande desconforto para os veículos e seus ocupantes . Eu até nem sei como que os fiscais autorizam o pagamento de serviço tão ruim . Pior e que o dinheiro é nosso . Afinal , os prefeitos passam , mas a cidade e a desgraça que eles cometeram fica e as consequências são sempre do "pacato cidadão "  .



  Então , com um quadro tétrico e patético como esse , andando para trás , nós nunca vamos ser Curitiba . ( FOTO ABAIXO )



 Antes eu arriscava 300 anos ,agora , refeitas as contas , eu aumentei para um milênio .

5- POR ÚLTIMO , QUE MENSAGEM GOSTARIA DE DEIXAR AOS LEITORES DO ALAMEDA CULTURAL ?

NICÁCIO - Lamento que Joinville seja uma cidade pobre em cultura e ninguém consegue me provar o contrário . O Festival de Dança ( FOTO ABAIXO ) é uma ilusão .



Isso não é nosso . É invenção . Quem vê são os ricos . Os pobres não ficam nem sabendo disso direito e as danças que ocorrem nas praças são verdadeiramente ruins  .

  O que temos que fazer é buscar nos verdadeiras raízes . Aí oque se deve , entre outras ações , é reeditar o que sempre se fez em outros tempos : organização de orquestras ,sinfônica ou não , ( ABAIXO , ORQUESTRA PRELÚDIO , DE JOINVILLE )



 teatro , coral e festival gastronômico .

  A par disso , valorizar outras culturas , como a dos afro-descendentes e açoriana . Joinville, por exemplo , tem 25 grupos de Ternos de Reis ( FOTO ABAIXO ) e poucos sabem disso .



  Cabe ainda no calendário de Joinville , para ocupar uma quinzena no semestre de cada ano , um concurso nacional de fanfarras  e, em paralelo , um festival de música de todas as modalidades nas praças ou Centreventos  .


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